O Arauto

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quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Carta aberta ao camarada Hu Jintao

Camarada Jintao. Nos últimos anos, em Moçambique temos estado a operar uma transição para a democracia aceite de mãos abertas por todos. Também encetámos uma viragem para a economia liberal, a custo de muito esforço. A democracia de Moçambique tem ainda muitos espinhos; precisa de ser melhorada. É uma democracia mínima. Mas a democratização tem permitido que apreendamos uma nova cultura política. Instituições como liberdade de expressão e de imprensa e pluralismo político são como que bandeiras desse processo. As liberdades de expressão e associação consagradas na nossa Constituição da República permitem-nos que exijamos e defendamos o respeito pelos direitos humanos.
Por Marcelo Mosse*
Reconhecemos e agradecemos o apoio da China à libertação de Moçambique da dominação colonial. Depois dessa libertação, Moçambique sofreu inúmeros desastres naturais e uma guerra fratricida de 16 anos, a qual destruiu infra-estruturas básicas de educação, saúde, transportes e comunicação. Há 15 anos iniciámos a reconstrução do Estado. Não se tem tratado apenas de reerguer infra-estruturas; trata-se também de estabelecer novas instituições, sistemas, regras de transparência e normas de gestão de recursos naturais. Enfim, novos valores na gestão do bem público.
O nosso Estado, camarada Jintao, está em processo de reforma, vamos dizer de modernização. E muitos destes processos têm tido o apoio da comunidade internacional ocidental bilateral, do Banco Mundial (FMI) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Somos um país pobre, dependente, como deve saber, e precisamos desse apoio. Somos pobres, mas não somos cegos; e gostamos de nós!! Por isso, ao longo destes anos, criticamos os doadores ocidentais pelos aspectos negativos que a sua “cooperação” implicava; criticamos a destruição da anterior indústria do caju; o reendividamento com a “assistência técnica”; o rigor excessivo no controlo da despesa pública; as privatizações (desastrosas) impostas; as tecnologias inadequadas; a chamada “tied aid” (que a China hoje promove); as unidades de implementação de projectos; o disempowerment do Estado; os capacity buildings cíclicos e ineficazes, etc.
Muito dinheiro, crédito e donativos, foram gastos nesses processos. Podíamos estar melhor, é certo. Não estamos. Contudo, o país tem mudado de face; temos mais escolas, hospitais, melhores comunicações, estradas, instituições em amadurecimento, etc. Em suma, apesar dos aspectos negativos dessa cooperação, há muitos ganhos visíveis. No entanto, continuamos dependentes.
Camarada Jintao. Uma das nossas grandes guerras é, pois, vencer a dependência externa. Isso pode ser alcançado se gerirmos melhor o nosso bem público, os nossos recursos e melhorarmos os termos de troca com o estrangeiro. Ainda persistem condicionalismos na cooperação com o Ocidente, é certo, mas eles tem sido removidos através do diálogo político que se faz no âmbito do apoio orçamental que recebemos. São condicionalismos de que não nos podemos queixar: a transparência e o combate à corrupção, a independência e eficiência do judiciário, a melhoria da gestão financeira do Estado, o respeito pelos direitos humanos, etc, ajudam-nos a melhorar a gestão do nosso bem público.
Nos últimos anos, a sua China tornou-se um actor de relevo na economia mundial, tendo reforçado a cooperação com África, essencialmente virada para a captação de matéria-prima. A sua China procura em Africa não mercados para os seus produtos, mas matéria-prima, recursos naturais. Moçambique, que também precisa da ajuda da China, é um dos vossos alvos preferenciais. Os moçambicanos aceitam, de braços abertos, a cooperação com a China. Ela é necessária. Mas gostariam que essa cooperação fosse transparente, equilibrada, e que os termos de troca fossem equitativos. Uma das nossas grandes guerras é vencer a dependência externa; não apenas a dependência ocidental. Isso significa que a cooperação com a China não tem de ser uma cooperação de dependência e, pior, clientelar.
Não queremos transferir a dependência do Ocidente para a China, queremos eliminá-la; não queremos que a Hidroelétrica de Cahora Bassa tenha um novo dono estrangeiro; não queremos que as empresas chinesas ganhem falsos concursos nas obras públicas e maltratem impunemente os nossos cidadãos; não queremos um novo ciclo de endividamento externo, principalmente quando não aplicado no sector produtivo e sobretudo quando aplicado em bens supérfluos como palácios; não queremos que cidadãos chineses entrem em Moçambique sem documentação nenhuma, quando repatriamos tanzanianos e congoleses nas mesmas condições; não queremos, sobretudo, esta delapidação sem paralelo dos nossos recursos florestais.
Não queremos ser um “Dumba-Nengue” chinês. Ou “take away”, como no passado colonial. A China pode nos construir estádios de futebol, oferecer bolsas de estudos, erguer pontes, apoiar no combate à malária, mas essa generosidade não pode ter como moeda de troca a promoção da riqueza fácil para as nossas elites, do vandalismo ambiental, da pirataria nas obras públicas, da precarização do emprego, da des-reconstrução das instituições que temos vindo a reconstruir.
Por isso, gostaríamos de vê-lo a anunciar não a construção de um novo palácio presidencial, mas a deixar claro às empresas chinesas que Moçambique é um país com regras, instituições e leis (incluindo de gestão ambiental) democráticas que devem ser respeitadas.
Camarada Hu JintaoSomos pobres, mas gostamos de nós. Uma das coisas que temos tentado fazer é construir um Estado de Direito. Isso passa pelo funcionamento pleno do nosso aparato legal, da nossa administração pública. A China e os chineses devem respeitar isso. Muito gostaríamos de vê-lo a ordenar os seus concidadãos a terminarem o saque desenfreado aos nossos recursos. A China não tem o direito de promover uma cooperação que, a longo prazo, vai custar caro aos moçambicanos, mais caro do que aquela cooperação que se diz condicionalizada.
Moçambique precisa do IDE chinês, precisa de acordos comerciais equilibrados, relações laborais justas e créditos concessionais para o sector produtivo. Mas sabemos que não há almoços grátis. E também não basta dizer que é uma cooperação sem condicionalismos, pois pior que colocar condicionalismos em cima da mesa, é encenar montanhas de caridade cujo substrato assenta numa nova relação de dependência e subordinação politica e económica, onde o nosso único papel é alimentar de recursos as empresas e a economia do seu país.
(*) Coordenador Executivo de Centro de Integridade Pública

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